domingo, 11 de setembro de 2011

Hebron


Settlements


Antes começar a relatar a curta viagem de apenas algumas horas que fizemos hoje à Hebron, convido o leitor a ler esta reportagem do jornal israelense Haaretz. A ideia do congressista é a de aplicar a lei “Shai Dromi” - uma espécie de lei do velho oeste, já aprovada pelo governo israelense, que permite a qualquer cidadão atirar em pessoas que “invadam” sua propriedade - à manifestações pacificas e demonstrações nas ruas dos Settlements que ativistas palestinos estão planejando após a reunião das Nações Unidas que deverá reconhecer a Palestina como um estado.

Andar pelas ruas de Hebron é uma experiência semelhante a de observar nas beiras das estradas e cidades árabes o surgimento imponente, bárbaro na arquitetura, dos Settlements. Fechados como condomínios e protegidos por tropas e mais de tropas de soldados e torres de vigilância, sua aparência é antes intimidadora do que defensiva. Gigantescos e idênticos eles se espalham progressivamente pelos picos das colinas ocupadas da Cisjordânia. Sua altura e aparência lembra plantações de eucalipto que ocupam o solo de antigas matas tropicais. Do posto alto observam a vida nas estradas e cidades sem, no entanto, participar delas. As únicas curvas na arquitetura são do Muro da Vergonha que para protegê-las aprisiona a vida árabe em guetos. Pois a impressão de, apesar de ocupar um espaço maior, ser ainda sim vigiado e controlado por uma minoria, é a mesma que se tem caminhando pela rua principal do mercado velho de Hebron, da qual os segundo andares foram todos desalojados - legal ou ilegalmente, através de violência, incêndios ou ameaças - por medidas de segurança. A maior parte permanece desocupada, alguns deles, de quarteirão em quarteirão, são ocupadas pelas onipresentes torres de segurança israelenses. Sobre o mercado grades de alumínio tornam a rua numa espécie de gaiola. Sua função, quase inacreditável, é proteger os pedestres e as lojas de lixo jogado propositalmente pelos Settlers que moram sobre o mercado. Esta triste reportagem ilustra bem a situação.



Alguns números sobre a cidade devem dar ao leitor uma impressão da vida sob ocupação. Hebron, a segunda cidade mais populosa da Cisjordânia, contava com uma população de 163.146 em 2007. Destes, apenas 500 são Settlers judeus. O número de soldados, no entanto, para proteger esta pequena parte da população é surpreendente: 4000, quase dez soldados para cada Settler, portanto. Esta presença maciça, que controla a vida de dezenas de milhares de palestinos – misturada com o ódio ideológico que é o ar que se respira na Cisjordânia – facilita a constante ocorrência de abusos. Quando estivemos lá conhecemos uma senhora que fazia parte de uma ONG que tinha como função de, além de serem observadores internacionais, acompanhar crianças palestinas à escola. Elas têm de ser acompanhadas porque podem ser alvo de Settlers ou dos soldados no meio do caminho. 

H1 controlada pela polícia palestina, H2 pelos soldados israelenses


Abaixo posto o trailer do filme "Bem-vindo a Hebron", ele explicita por si só mais do que qualquer lista de eventos que eu possa transcrever aqui. É necessário um adendo, no entanto. Os Settlers, me parece, não são representativos da maioria da população israelense. Este  tipo de comportamento extremo é típico de uma certa camada minoritária, ultra-religiosa de israelenses que se voluntariam para habitar esta região por certas crenças religiosas e políticas. Minoritária, ela não é menos atuante e influente, no entanto. Prova disso é o número de soldados enviados pelo governo para a cidade. Parece um tipo de miniatura da própria política israelense: se por um lado é improvável que a maioria da população apoie a ocupação e o apartheid da maneira desumana com que eles ocorrem, por outro lado, seja por abstenção, auto-imposta ignorância ou abandono da política aos políticos, é essa minoria extrema que acaba por chegar ao governo e a tomar as terríveis decisões que tomam. A responsabilidade, evidentemente, é compartilhada entre todos. Os Settlers de Hebron são os representantes legítimos da atual política israelense e, através dela, da população que a legitima:



Caminhando pela rua principal do mercado, que se esvazia a medida que se aproxima da área israelense, chegamos ao seu fim que dá num check-point. Viramos a esquerda e passamos por um segundo check-point em que fui parado e perguntado "se eu era judeu". Visivelmente sem qualquer treinamento de identificação de passaportes, me deixou passar depois, sem pedir o documento da minha outra colega. Nosso guia árabe teve, evidentemente, de tirar o cinto e responder a algumas perguntas. Caminhamos mais cem passos até a entrada do Túmulo dos Patriarcas, onde passamos por mais um detector de metais e onde fomos interrogados novamente por soldados israelenses. Tentei me colocar na posição dos árabes que vêm algumas vezes ao dia à mesquita e que têm de passar por três check-points em menos de 200 metros para exercer o direito de rezar.


Algo triste de se observar é a divisão que foi feita do templo. Pois sendo local sagrado para as três grandes religiões, ele teve, no passado, cultos diversos ocorrendo no mesmo local. Desde o inicio do século passado, no entanto, como consequência da imigração sionista, os conflitos se iniciaram com massacres horríveis de judeus e muçulmanos. O peso da atmosfera me fez refletir sobre a possibilidade da religião – e principalmente  de religiões tão pacificas e caritativas como o Islã e o Judaísmo – nestas circunstâncias de ódio evidente. Observando a tumba de Abraão – separado por grades e um vidro blindado – vi um jovem judeu que nos observava. Como duas religiões compartilham um templo, a sacralidade do corpo de Abraão e Sara e Isaac e Rebeca e Jacó e Leia, não podem compartilhar um pais? Quando vai soprar o vento que levará estas grades, estes ódios, estas falsas diferenças para longe?

Tumba de Abraao

Túmulo dos Patriarcas


Termino a pequena postagem de hoje com a promessa de tratar na próxima postagem do processo de reconhecimento do estado palestino na Assembléia das Nações Unidas de Setembro. Também com o peito apertado pelo extremismo da situação e da sombra que as consequências desta reunião, sejam elas quais forem, já lançam sobre a vida palestina. O artigo que sugeri no começo desta postagem é representante disto. A pequena descrição que tentei esboçar da convivência entre palestinos e Settlers marca minha posição sobre a justeza da iniciativa.


PS: Durante a viagem de ida me lembrei que já tinha lido algo em referencia a Hebron nos jornais. Na viagem de volta me lembrei que se tratava deste vídeo, que posto abaixo, de soldados israelenses dançando ao som de música americana. Minha idéia na época era de que as duas coisas caminhavam juntas, a dominação ideológica da indústria cultural e a ocupação. Hoje, em um percurso subjetivo de mais para se argumentar, me lembro dos versos de Paul Celan: "ihr andern spielt weiter zum Tanz auf". Mudam os atores, quem toca, quem ouve, quem dança. A fuga, no entanto, continua a mesma.


2 comentários:

  1. Comentário que um amigo me mandou por e-mail. Vale a pena compartilhar:

    "De novo, guardado as devidas proporções, sua postagem no blog me lembrou muito uma situação brasileira: Carapicuiba.

    Aquele fenômeno da descentralização urbana que começa a acontecer em Póa agora, com antigas áreas de cidades-dormitórios sendo valorizadas para implantação de moradias de luxo, chegou lá a extremos. Condomínios para públicos de renda elevdissima começaram a se implantar na cidade e se superimporem as vias públicas. Favelas e outros bairros de ocupação popular também cresceram de tal forma que ambos se tocaram, sendo que tais grandes condomínios isolam o acesso a área central da cidade. Após muitos conflitos a prefeitura exigiu que fossem demolidos os muros que bloqueavam o acesso as vias públicas de forma a permitir a passagem das pessoas para o centro.

    Foram construídos novos muros, margeando o caminho da via. Em seguida uma grande quantidade de guardas armados foram colocados nas passarelas dos muros como forma de inibir a população de usar esta via ou mesmo se aproximar dos limites externos - houve casos de disparos contra crianças que brincavam próximas a divisa. O que era especialmente decepcionante é que os moradores passaram a atuar no sentido institucional para lacrarem a via novamente, e entre eles se incluiam-se professores de arquitetura da USP e mesmo diretores de cinema (incluindo o diretor do filme Cidade de Deus). Aquilo me lembrava um cenário de guerra, uma fronteira entre dois países - muito parecido, guardado as devidas proporções, com o que você descreve sobre os conflitos dos enclaves israelenses. Mas ao invés de ser movido pela mescla de desavença antiga e fanatismo religioso é regido pela insensibilidade e busca do usufruto desenfreado de riquezas na expansão descontrolada de uma grande metrópole".

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