Eu costumava dizer aos camaradas na Alemanha que, ao
contrário do que parece, e de uma maneira bastante específica, o brasileiro é
um dos povos mais nacionalistas que existe. Talvez não em um sentido declarado,
aberto, de superioridade em relação aos outros povos, mas escondido, em segredo
compartilhado com os outros brasileiros, como um tipo de nacionalismo negativo.
Porque embora seja unanime a opinião de que o estado anda mau, que os políticos
são corruptos e que a vida econômica é sempre frágil, o Brasil – nada
modestamente auto-declarado pátria mãe de Deus – é o país das maravilhas
naturais, da boa música e comida, das festas, da pacificidade entre
compatriotas e, talvez principalmente, de um povo gentil. E não que estas
coisas todas não tenham nelas um tanto de verdade. Só que o grande problema
deste patriotismo de apesares é justamente a crença, que vem junto, de que
estes problemas são naturais e incorrigíveis. Como se houvesse um equilíbrio
quase cármico entre as mazelas sociais e as benesses naturais e pessoais. Pois
como alguém que se pega às vezes com sentimentos nacionalistas deste tipo – não
sem alguma vergonha – devo então lançar, quase em forma de desafio, a afirmação
de que o povo palestino é ainda mais sedutor, ainda mais ligado à paixões dos
sentidos - como o tabaco perfumado da chicha, os doces encharcados de mel, o sabor
vigoroso dos produtos naturais e dos temperos – que o povo brasileiro. Que se
tais coisas como povo, espírito de nação e outras construções de identidade têm
mesmo alguma base na realidade, então o povo palestino é ainda mais
hospitaleiro, mais alegre, mais esperançoso na tragédia diária do que o
brasileiro, e assim sendo, talvez sofra de maneira ainda mais forte daquele
tipo de nacionalismo que explicitei acima. Notei que há aqui um certo tipo de
concepção sobre a própria situação que me parece pode ser perigoso para um
futuro “live”, nas palavras de um aluno, de que a Palestina seria um lugar completamente
feliz sem a ocupação israelense. Não há dúvida de que o primeiro passo
necessário para a transformação na qualidade de vida daqui é o fim da ocupação.
Só que vindo de um país também sub-desenvolvido – por motivos mais ou menos
semelhantes aos da Palestina, ocupação exploratória, corrupção, ter sido
joguete de interesses ingleses, etc – sei que demora ainda um tempo até sermos
capazes de atender minimamente aos direitos humanos básicos da população.
Há, entretanto, uma diferença fundamental, fonte da
ambiguidade quase insolúvel da identidade palestina, que é a condição – por
definição negativa – do exílio, ou, no caso de Deheisha, de ser um refugiado
dentro de sua própria terra. Pois se o brasileiro é definido quase que apenas
em conjunto com sua terra – desde a já antiga carta de Caminha ao rei de
Portugal -, o Palestino é aquele que se define em conjunto com sua terra que é,
no entanto, ausente. Assim, poucos momentos atrás quando sai para comprar doces
de grãos e mel, em uma lojinha familiar, ouvi a resposta melancólica, a minha
pergunta “Como foi a festa do Eid?”, de
que a festa fora mais ou menos. Por quê? Porque a vida aqui não é fácil – aqui
significando não Deheisha, como eu fiz questão de perguntar, mas toda a
Palestina ocupada. Há um tipo de melancolia que permeia todo o tecido social –
pelo que vi nesta curta estadia de dezesseis dias – que é talvez semelhante com
a definição freudiana mesma do termo. De um luto que não consegue se realizar
devido ao desconhecimento mesmo do objeto perdido. Como se manifesta o desejo
de retorno duas gerações depois da expulsão? E como ele se relaciona com o
bairrismo e sentimento comunitário fortíssimo que sugere a todo momento que o lugar
em que se está é que é o lar? São perguntas que surgem a um estrangeiro e
talvez não para quem mora aqui, ou quem sabe, perguntas que para eles têm
respostas evidentes.
Três dias atrás aproveitei minha folga para fazer uma
longa caminhada do Campo até as proximidade de algo como um deserto. Tivemos de
caminhar por quintais sem cerca – com exceção de um Kibutz na entrada mesma do
deserto – e por plantações de oliva que exalavam tão fortemente sua essência
que sentimentos na boca já o gosto do azeite. O tipo de natureza e paisagem nos
arrebatou com um tipo de sublime dificilmente retratável em teorias estéticas.
Entre os montes pelos quais caminhávamos, imensos caminhos, canyons, como
cavados por algum anfíbio ancestral gigantesco, encontramos restos imemoriais de
vida aquática: conchas do mar no meio do deserto. Vimos uma lembre fugindo de
nós e, após algumas horas de Sol – que me renderam queimaduras leves que ainda
ardem – fugimos também, nutridos pelas experiências óticas, olfativas e quase
gustativas da caminhada.
E ae tomaz, ainda não tinha tirado um tempo para ler seu blog, então aproveitei hoje. Cara gostei muito da descrição do estilo de vida dos palestinos que você fez, nos da uma visão diferente do que estamos acostumados a ver pelas noticias de confrontos que vemos sempre nos telejornais ou em matérias na internet, passa a visão do dia a dia das pessoas, como o povo leva sua vida tendo sempre que conviver com o problema da ocupação. Estou curioso para saber mais de como está sendo trabalhar ai com as crianças. Grande abraço.
ResponderExcluir