sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Pré-viagem

O debate entre teoria e prática ocupou desde sempre a filosofia e a política. No Maio de 1968, ele teve expressão interessante no confronto entre a posição dura de Adorno e a posição extrema dos estudantes da Universidade de Frankfurt. Suas consequências foram pouco teóricas - causando mesmo o agravamento de uma condição de saúde de Adorno -, mas também pouco práticas. Os ganhos do movimento do “sonho das ruas” têm de ser ainda justamente contabilizados. Considerando com Adorno que teoria já é prática e com Zizek, que a teoria é hoje mais necessária do que nunca, não se deve, sob fracasso de qualquer ideal emancipatório, abrir mão do conhecimento teórico e de seu desenvolvimento - mesmo em algumas de suas instituições mais corrompidas, como a atual universidade. É falso nessa consideração, no entanto, que: 1) nestas instituições o desenvolvimento teórico se dá prioritariamente, 2) de que este desenvolvimento é possível na dieta retro-alimentícia e nesta ecologia de ecos, na qual se converteu o ambiente universitário. Pois a base da dialética, o diálogo, tem sido sufocado em um espaço curto demais e com opiniões de menos. Os diversos agentes no objeto têm sido há tempos generalizados ou simplesmente ignorados. O conhecimento teórico - especialmente o social e político - depende da interação entre concepção e verificação. Não na aplicação final de castelos ideológicos de colunas e blocos inverificados, mas no choque dinâmico entre o pensar, a verificação de sua falsidade no agir, e em um novo pensar.
A situação palestina não é a pior do mundo. A crise humanitária pela qual passa a África neste momento evidencia isto. Por que então um apelo internacional - pró e contra - tão grande em relação especificamente a esta questão? A resposta é a mesma para a pergunta: Por que tanta reflexão sobre a Shoa e não para outros genocídios no século passado? Porque ambas estas violações ocorreram e ocorrem “dentro de casa”. Que mais de 800 mil tutsis tenham sido assassinados por hutus não chama a atenção porque isso aconteceu entre eles, os outros. Evidentemente, a história colonialista da África torna evidente a nossa participação na guerra deles - mas do ponto de vista do pensamento subjetivista moderno, há uma distância entre a minha miséria e a miséria de outros que vivem, desde um princípio a-histórico dos tempos, na miséria. O assombroso e interessante - para usar um termo macabro, mas justo neste sentido - sobre a questão da Shoa foi a eliminação étnica que nós fizemos neles. Que a barbárie extrema e moderna do Nazismo tenha sido possível dentro de um dos centros mais tradicionais de cultura e ciência do Ocidente. Dando um salto no tempo, o conflito entre palestinos e israelenses se apresenta para a sociedade “ocidental” de maneira semelhante. Hoje é o sionismo, que tomou injustamente de assalto o nome do judaísmo, que é representante “nosso”, das potências ocidentais, na barbárie a-histórica do Oriente Médio.
Como interesse pessoal, esta constatação deveria bastar à pergunta - já por si só desumana - sobre o motivo do engajamento. A única resposta moral possível, no entanto, é a de que miséria se combate, no Rio de Janeiro ou na Cisjordânia, que as barreiras (nacionais, étnicas de classe) entre nós e eles são construções que visam manter a segregação e de que a teoria aprendida só mantém-se em sua verdade na dinâmica constante entre sua verificação e sua reformulação.


Escrevo esta postagem inaugural na noite anterior à viagem. Amanhã pegarei o avião às 9:00 em Düsseldorf de onde voarei direto para Tel-Aviv. Se tudo correr bem no aeroporto, onde por medidas de segurança israelense terei de mentir sobre o objetivo da minha viagem, turismo, ao invés de ajuda humanitária, devo chegar próximo das 19h no Campo de Refugiados de Dheisha, na cidade de Belém, da Palestina ocupada. Lá deverei dar cursos de um mês para crianças e mulheres sobre Inglês, Informática, Cultura brasileira e produção artístico-cultural. Vale a pena ver o site da ONG Karama (dignidade, em árabe) para mais detalhes sobre o belo trabalho humanitário que eles desenvolvem.
A princípio pretendo fazer postagens diárias, mas tudo dependerá da estrutura lá e da dinâmica com o trabalho.




Nota póstuma: A vontade de ir foi tanta que confundi a data do vôo! Viajo no dia 15, não no dia 13!

3 comentários:

  1. Tomy da Bolandeira, meu querido!
    Adorei a idéia da sua viagem, incrível mesmo! Acompanharei seu blog com o todo o carinho e a curiosidade intelectual que ele merece.

    Sobre as medidas de segurança no aeroporto Ben Gurion, recomendo: use todo seu inglês e seja o mais gentil que você puder (sei que é difícil pra você, mas...brinks). Eu mesma (que fui através um projeto do governo israelense, que tenho essa cara, esse nariz e esse nome) passei por várias "fases" de segurança, tanto no aeroporto brasileiro como no israelenese. Fizeram mil perguntas para mim, até coisas do tipo "você é mesmo judia? o que os judeus comem em tal festa típica...?". Sim. Uma insensatez. Coisas descabidas aos montes.
    Mas esteja pronto pra essas aberrações, assim você conseguirá entrar e fazer o relato agudo que esperamos de você!
    Qualquer problema, conte comigo aqui, ok?
    Sua leitora, Mari

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  2. Achei muito bacana essa sua viagem Tommy. A grande maioria das pessoas sempre vê as coisas acontecendo e pensa "Alguém tem que fazer alguma coisa", mas ficam passivos só esperando as notícias ruins saírem nos jornais, para ficar indignados, mas sem sair da área de conforto, e seguir fazendo análises e comentários de gente pensante. Mas poucas pessoas fazem algo na prática. Estou muito orgulhosa de você e com certeza vou acompanhar seu blog. Espero que possa postar regularmente.
    Abraço e boa sorte na sua aventura.
    Helô

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  3. Caro Tomaz. Quem escreve é seu amigo André. Como sua viagem não é de turismo, tratarei dela com a seriedade que ela merece. Aguardo pelo melhor momento de satisfazer minha curiosidade (o mesmo de satisfazer a saudade: sua volta) (Se teoria e prática estão separadas de algum modo, é pelo momento. Ainda em breve seu trabalho se refletirá na sua pessoa e obra. Seu trabalho lhe terá ensinado algo - teoria. Mas no momento é você quem ensina - prática. Então você tem um trabalho a fazer - mãos à obra e muita força. Peço que tome todo o cuidado. (Escreva-nos algo, é claro, pra sabermos como você está)
    Abraço-o,
    a

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